Podem avatares ser perfeitos influencers 🤖 ?

Podem avatares ser perfeitos influencers 🤖 ?

Categoria : Redes Sociais Visitas: 3386 Tempo de Leitura: 8 Minutos

Miquela, de 19 anos, com a sua franja curta, sardas espalhadas pelo rosto e dois pequenos rabos de cavalo, tem todas as características necessárias para ser uma influencer no Instagram. Ela transborda o fator cool (tem ascendência brasileira e americana e anda de skate em Los Angeles), uma legião de fãs fiéis no que toca às suas músicas (o seu primeiro single, ‘Not Mine’, atingiu o top viral no Spotify), é ativista social (apoia a ação Black Lives Matter), e tem um excelente gosto no que à moda diz respeito (usa marcas como Proenza Schouler, Bailmain e Alexander Wang).

Já foi fotografada para a V Magazine e a Highsnobiety e a Prada já a colocou como promotora do seu show de outono deste ano em Milão, onde usou o mesmo casaco laranja brilhante de Gigi Hadid. Mas esta não foi a primeira interação entre as duas; a supermodelo deixou um tweet a Miquela no ano passado: “Hey miúda, és grande de mais para que te possam compreender”.


Miquela é uma modelo digital fabricada em computador


Miquela tem mais de um milhão de seguidores, e o seu feed do Instagram está repleto de amigos de classe: ela tanto come pasta com Margaret Zhang, influencer australiana, como encosta a cabeça ao ombro de Giovanna Battaglia Engelbert, diretora da Vogue Japão. E sim, ela é apenas uma pessoa como nós: revira os olhos às mais básicas tarefas domésticas como lavar a roupa ou fazer as malas para viajar até Nova Iorque.

Outra estrela no universo do Instagram é Shudu, uma fascinante embora nova utilizadora deste espaço digital, com mais de cem mil seguidores. A supermodelo (conforme consta na sua biografia da rede social) tem cabelo curto e atraiu muito a atenção do público com os seus primeiros posts em 2017, em que foi fotografada nua apenas com alguns colares de ouro colocados no pescoço. Em fevereiro, Shudu despertou os olhares do mundo da beleza quando a Fenty Beauty, linha de cosmética da cantora Rihanna, fez repost a uma foto sua, onde usava um brilhante batom tangerina da marca. Este foi um sonho tornado realidade para a influencer em construção, e um selo de aprovação que certificou de que tinha vindo para ficar.


Avatar criado em computador usa maquilhagem de Rihanna

Parecem cenários perfeitos, certo? Só há um problema: nenhuma das duas é real. Tanto Shudu como Miquela são avatares gerados por computadores, e parte de uma nova vaga pronta a mudar o cenário no mundo da moda. Para os fãs, estas ‘mulheres’ são muito mais interessantes que as típicas bloggers que invadiram as redes sociais e, por consequência, mais fáceis de ‘seguir’. As marcas já se aperceberam, naturalmente, que este é um novo caminho por onde seguir se querem chamar a atenção e sair de outras zonas mais sobrepovoadas do universo digital.

Fantasia vs Realidade

Mais, como clientes, estes avatares são fáceis de se lidar: as roupas assentam sempre de forma fantástica e nunca exigem um lugar na primeira fila dos desfiles de moda. Partilharem o mesmo ADN é a única semelhança entre as duas mulheres criadas em computador.

Tal como qualquer celebridade em ascenção, Miquela tem uma máquina completa de Relações Públicas a trabalhar arduamente para perpetuar e promover o seu elaborado esquema, que inclui a sua própria linha de merchandise. As marcas mais conhecidas não se importam de alinhar com a brincadeira: Pat McGrath já a nomeou musa, a Prada entrou em colaboração com ela para anunciar um novo set de GIFs, chamando a estrela dos efeitos CGI uma “misteriosa ciber-modelo”.

A cibermodelo faz uma pose típica para o Instagram

Em março, todas as cautelas ou sombras sinistras em volta de Miquela desapareceram quando Miquela foi entrevistada por uma jornalista da Elle através do Google Hangouts. Nessa altura, o avatar contou que estava a tentar acabar duas músicas e que estava a esconder-se num canto do estúdio, terminando com um típico linguajar da internet ‘lmao’. Quando questionada sobre se era ou não real, Miquela contrapôs: “Estamos a falar neste momento, certo?”.

Ela recusou responder sobre se era ou não paga pelas parcerias (“Acho que preciso de ligar ao meu agente, lol”) e deixou uma pista sobre uma possível grande revelação. “Estou excitada para partilhar mais sobre quem eu sou”, escreveu. O grande desvendar do segredo aconteceu em abril, quando a sua conta foi pirateada por um hacker – exato, outro avatar. A internet enlouqueceu coletivamente quando uma apoiante de Trump, de cabelos loiros e de olhos azuis, que se autodenominava Bermuda tomou a conta de assalto. Bermuda apagou os 325 posts de Miquela e postou seis dela mesma, obrigando esta última a admitir se era real ou não.

A invasão hostil acabou horas depois de ter começado, com Bermuda a voltar ao Instagram de Miquela com uma ameaça: “Tens 48 horas para dizer a verdade ao mundo ou vou fazê-lo por ti”, escreveu na descrição do último post. Todas as fotos de Miquela foram repostas, completas e com todos os likes e descrições existentes. “Então, vamos fingir que um robot não invadiu o Instagram de outro robot e expôs isto tudo?”, comentou um utilizador.

Miquela admitiu tudo pouco depois: “Eu sou um robot. Mas isto não faz sentido. Sinto-me tão humana”, escreveu numa longa descrição. A prolongada e atordoante façanha, digna de um filme de ficção científica, revelou que ambas – Miquela e Bermuda – tinham como criadora a Brud, uma empresa de inteligência artificial sediada em Los Angeles. A start up foi fundada pelo DJ, artista e produtor Trevor McFedries, com pouco mais de 30 anos, e encenou todo este drama para atrair atenções e criar um grande hype. E resultou: Miquela ganhou tantos seguidores no dia em que a conta foi ‘hackeada’ que ultrapassou a marca de um milhão. E a Brud fez manchetes nas semanas seguintes por ter arrecadado seis milhões de euros de investidores de Silicon Valley – aparentemente, não há má imprensa nem para avatares. Mas o efeito mais visível foi o que o mundo da moda recebeu, que foi muita, muita atenção.


Revista lilmaquele


Shudu, por outro lado, acendeu outro tipo de conversa – os seus seguidores achavam realmente que se tratava de uma humana, e no meio das redes sociais duvidavam que se tratasse da primeira supermodelo digital do mundo.

Ela é, de facto, um projeto de arte, resultado do trabalho do fotógrafo britânico James Wilson. Ele começou a projetar Shudu no ano passado quase por acidente, sem ter um objetivo particular ou saber que iria beneficiar do potencial resultado. O jovem, de 28 anos, estava à procura de uma forma de passar o tempo livre, de algo criativo, algo que o inspirasse depois do trabalho e ao voltar a casa.

Primeiro, tentou pintar bonecas Barbie, juntando-se a um grupo de entusiastas colecionadores, mas achou tudo isso muito estranho. Intitulando-se um geek que adora filmes de ficção científica e jogos, Wilson acabou por virar-se para programas de desenho 3D para criar roupas e uma musa. Inspirada por uma Barbie chamada Princesa da África do Sul, assim nasceu Shudu. Ela é extremamente realista e quase uma herança dos dez anos em que o fotógrafo passou a retocar imagens digitalmente, como parte do seu trabalho.


Fotógrafo produziu Shudu através do computador


Na primeira fotografia que Shudu publicou na sua conta no Instagram, ela está sentada e inclinada para um dos lados, enquanto olha diretamente para a câmara. “Toda a gente perguntava quem era aquela rapariga”, diz Wilson. A intensidade com que atingiu os crescentes seguidores apanhou o criador de surpresa, e ainda mais quando o entusiasmo se transformou em raiva.

As acusações foram crescendo, cada vez mais hostis, sugerindo que Wilson estava a esconder ou a recusar-se a dar os créditos devidos a uma modelo real. E, mesmo assim, todas as questões em volta de Shudu estavam apenas a contribuir para a sua popularidade. Ele decidiu alinhar no jogo, nunca confirmando ou negando quem, ou que, era aquela mulher.

As exigências para se criar uma modelo gerada unicamente por computador são imensas. Ao contrário das tradicionais sessões de fotos, onde os inputs vêm dos stylists, diretores de arte, designers do set e até mesmo das equipas de maquilhagem, aqui, todos os detalhes do avatar estão confinados à criatividade e virtudes do artista. “Muitas vezes, não sei o que fazer com ela”, assume o fotógrafo.

A maquilhagem de Rihanna e o ponto de viragem

Tudo isto para explicar que ele aceitou de bom grado uma sugestão da sua irmã adolescente: dar a Shudu um banho de Fenty, usando e fazendo tags nos produtos da linha de beleza de Rihanna. Este foi um ponto de viragem para Wilson e a sua musa: quando as pessoas achavam que ela era real, ele decidiu assumir a verdade.

As críticas sobre um caucasiano criar uma mulher negra foram instantâneas, com acusações de abuso e exploração. Um professor chegou mesmo a afirmar que ele tinha cometido um crime de “plágio racial”. O artista nunca ganhou dinheiro com Shudu, diz, nem estava a procurar tirar trabalho a modelos reais. Shudu é uma celebração da diversidade numa indústria em que tal escasseia, justificou. Para Wilson criar uma imagem de Shudu, são necessários três dias inteiros, a que se somam duas semanas de brainstorming e 8 a 10 horas em frente ao computador. É uma agenda e um horário não muito diferentes de muitas campanhas de moda ou editoriais de revistas.

Falta de autenticidade?

Mas as características que Wilson passou anos a remover, como pelo facial, agora são aquelas que ele acrescenta quase que em laboratório. “A Shudu fez-me apreciar mais as nossas imperfeições naturais”, afirma. Estas criações totalmente digitais, com imperfeições propositadas, falam-nos diretamente ao desejo de alguma autenticidade. Enquanto que os influencers humanos são “pessoas reais a tentarem perpetuar alguma espécie de fantasia”, a Shudu é uma “figura de fantasia a tentar entrar na realidade”, explica o criador.

Mas talvez o futuro das redes sociais não se foque no que é real e no que é falso, mas no que nós gostamos. Afinal de contas, as verdadeiras cruzadas contra o Photoshop acontecem ao mesmo tempo em que se usam filtros e mil e uma aplicações de retoque facial. Efetivamente, a população humana quer o melhor de dois mundos – os factos e a fantasia – e os influencers com mais sucesso irão existir algures entre os dois opostos. 

Tags:
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Catarina Sousa

A former journalist on newspapers and TV, now publicist and creative mind at her own agency. Passionate about writing, creating ads and watch Law & Order. Married, mom of two adorable cats.
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